Pesquisa revela que quem dorme menos, engorda mais. E outra boa notícia: o exercício físico à noite, ao contrário do que se pensava, não atrapalha o sono de quem dorme bem.
Dias curtos demais e noites que custam a passar: a assistente social Ana Dias e o porteiro noturno Antônio Marcos Barbosa conhecem essa sensação.
Dicas para ter uma boa noite de sono
Bem cedo, Ana já está a caminho do trabalho. Bem tarde, Antônio, porteiro de um prédio em São Paulo, também se prepara para o início da jornada.
Nos últimos anos, Ana viveu a agonia das noites sem dormir. “Ou eu demorava muito para dormir e dormia e acordava cedo. Ou eu dormia cedo, acordava de madrugada e não conseguia dormir mais”, afirma a assistente social.
Antônio bem que gostaria de ter insônia para enfrentar as longas noites em claro. Há 15 anos, ele luta contra o sono no trabalho solitário de porteiro noturno. “Não é fácil trocar o dia pela noite”, diz o porteiro.
Mesmo com problemas diferentes, Ana e Antonio são vítimas das noites mal dormidas e também têm algo mais em comum. Os dois contam que engordaram por conta dos problemas com o sono.
“Antes de eu trabalhar à noite, meu peso era cerca de 60 kg. Depois, chegou a 91 kg”, revela o porteiro. “Engordei quase dez quilos. E a insônia veio junto”, declara a assistente social.
E não é coincidência. Em São Paulo, uma das maiores pesquisas já feitas no mundo sobre sono e saúde acaba de comprovar que dormir mal faz toda a diferença na balança. Ao todo, 77% dos moradores da maior cidade do país reclamam de noites mal dormidas. E os pesquisadores descobriram que eles estão muito acima do peso.
“A população de São Paulo é obesa. Foi uma coisa que nos surpreendeu: 60% da população de São Paulo está acima do peso. E quando você engorda, você não engorda só para fora. Você engorda para dentro também. O que fecha o nosso canal respiratório e fica mais fácil produzir apneia”, explica Sérgio Tufik, diretor do Instituto do Sono.
Apneia é a interrupção da respiração durante o sono, um problema mais comum do que se imaginava. Atinge um terço dos paulistanos. Apesar de menosprezada pela maioria dos brasileiros, a apneia pode levar a doenças circulatórias, cardíacas e diabetes. Sem dormir, não é só o corpo, mas o dia também fica mais pesado.
Enfrentar o dia na cidade grande exige olhos bem abertos, atenção e disposição. O nosso corpo foi programado exatamente para ficar alerta durante o dia e para descansar durante a noite. O problema é que, quando anoitece, a cidade não para, funciona 24 horas. E este ritmo alucinante mexe com o sono do paulistano. Quem vive em São Paulo está dormindo cada vez menos. Quando a noite vai mal, imagina o esforço do corpo para enfrentar o dia.
Quando o corpo não aguenta mais, o cochilo é inevitável. Não importa o lugar. O doutor Sérgio Tufik estuda o sono dos paulistanos há 30 anos e acredita que as noites mal dormidas têm a ver com o dia a dia na cidade.
O trânsito obriga a sair mais cedo de casa e chegar mais tarde. O stress, o medo: tudo isso anda tirando o sono de muita gente. “O maior inimigo do sono é o medo e o estresse. É o que vem aumentando me parece na cidade de São Paulo”, aponta o diretor do Instituto do Sono.
“Você fica pensando no que aconteceu durante o dia e daquilo que poderia ter feito e não fez. E o que você fez e não fez tão acertado”, declara Ana.
Mas isso já ficou no passado, para a assistente social. Ela venceu a guerra contra a balança. Perdeu oito quilos nos últimos seis meses e também ganhou a luta que travava todas as noites com a insônia.
“O pior é não saber quanto tempo dormiu. Porque, como era entrecortado, eu não sabia se tinha dormido uma ou duas horas. Eu acordava com a sensação de que eu tinha dormido muito pouco”, lembra a assistente.
Vamos ver se ela realmente se livrou da insônia. Nós convidamos Ana para um teste: passar uma noite no Instituto do Sono em São Paulo para ver se ela esta dormindo melhor.
A assistente social vai passar por uma polissonografia, um exame igual ao que 1,1 mil paulistanos fizeram na pesquisa que avaliou a qualidade do sono na cidade.
Todos os sensores ligados na Ana servem para avaliar a qualidade do sono. É um equipamento sofisticado que mede a atividade cerebral. Uma nova pesquisa descobriu que outro aparelho, bem mais comum, também pode dizer muito sobre o sono de uma pessoa. Debaixo da cama tem uma simples balança. Ela é muito sensível e precisa. O objetivo é saber quanto cada um de nós perde de peso durante o sono. Já há fortes indícios de que quem dorme melhor emagrece mais.
Quanto será que Ana vai perder: 100 gramas, 200 gramas, 300 gramas? Estamos todos curiosos. Foi a curiosidade que levou o neurologista Walter Moraes, do Instituto do Sono, a investigar a perda de peso das pessoas em cada fase do sono.
“Ao contrário do que se pensa, o sono é um período em que se gasta bastante energia também. Enquanto, na vigília, a gente realiza movimentos, atividade exterior; durante o sono, a gente realiza uma atividade interna de recuperação dos tecidos”, explica o médico.
Enquanto a gente dorme, o organismo trabalha. É durante uma das fases do sono que os músculos se recuperam do esforço feito durante o dia. Quando entramos no sono mais profundo, o cérebro se exercita para fixar na memória o que aprendemos no dia anterior. E, para isso, o corpo gasta muita energia.
É tanta energia que muitas pessoas que participaram da pesquisa gastavam mais dormindo do que acordadas. “De fato, nossos voluntários permaneceram em repouso absoluto durante o dia na própria cama em que dormiram. Muitos destes voluntários perderam peso mais aceleradamente dormindo do que, por exemplo, quando estavam acordados assistindo TV”, aponta o neurologista Walter Moraes.
É claro que o peso é recuperado durante o dia. Com o tempo, horas a menos de sono podem render muitos quilos a mais. Quando deixamos de dormir, nosso metabolismo fica mais lento, a gente gasta menos energia. E para piorar, sentimos mais fome.
Na manhã seguinte, nós acordamos Ana. Ela quer saber o resultado do exame para descobrir se dormiu bem. O médico informa que ele teve uma boa noite de sono e que, inclusive, perdeu 770 gramas durante a noite.
Mas qual o segredo de Ana? O que ela fez para emagrecer e dormir melhor? Com muito suor, com academia quase todos os dias da semana, ela superou a insônia. E virou um ciclo: ela perdeu peso, passou a dormir melhor e, dormindo melhor, também perde mais peso.
Exercício físico é remédio para insônia? É o que diz o professor educação física Marco Túlio de Mello, do Instituto do Sono, da UNIFESP: “para quem tem uma insônia ou para quem tem um distúrbio de movimento, que não seja muito grave, que não precise de uma intervenção com remédio, o exercício é o primeiro tipo de tratamento, que poderia ser dado, em vez de tomar remédio”.
E outra boa notícia: o exercício físico à noite, ao contrário do que se pensava, não atrapalha o sono de quem dorme bem.
Às 20h30, o dia do advogado Cesar Peduti Filho não acabou. É hora de ele se preparar para lutar contra o stress. Ele garante que, depois de uma aula de muay thai, já sai da academia sonhando com uma boa noite de sono. E, quando não vai, percebe a diferença. “Eu sinto o cansaço do dia, porém não sinto aquele cansaço físico que dá vontade de cair na cama e dormir”, afirma o rapaz.
Sempre se acreditou que a malhação à noite era inimiga do sono porque o exercício aquece o corpo. “Esta curva da temperatura até o momento que ele for dormir, ela já voltou ao normal. Neste tempo que demora de ele terminar o exercício até ir dormir, esta curva já se desfez. E ele já pode dormir tranquilamente”, explica o professor educação física Marco Túlio de Mello, do Instituto do Sono.
“Nos dias em que eu faço muay thai, eu saio daqui não vendo a hora de ver minha cama”, declara o advogado.
Os sinais das noites mal dormidas não demoram a aparecer. No dia seguinte, a pessoa já fica de mau humor. Com dois ou três dias seguidos de pouco sono, o cérebro dá o alerta: surgem os problemas de memória, o esquecimento. Depois de algumas semanas, a pessoa passa a ficar resfriada com facilidade, o corpo dá sinais de fraqueza. A falta de sono já começa a por a saúde em risco.
Imagina os efeitos de anos de noites em claro? Desde que virou porteiro noturno, Antonio percebeu que a resistência do corpo dele não é mais a mesma. “Eu tenho resfriado todos os meses. Depois que eu trabalhei à noite, sempre eu tenho isso”, conta.
A falta de sono diminui as defesas do nosso corpo. A ciência comprovou que, nas noites mal dormidas, o organismo não produz anticorpos suficientes. E se estamos tão frágeis, nem mesmo as vacinas têm efeito.
“Para a vacina pegar, o sujeito tem que ter bem dormido a noite anterior e a noite posterior de ter tomado a vacina. Em um apnéico não pega. E veja que a quantidade de apneia nos idosos é enorme”, aponta Sérgio Tufik, diretor do Instituto do Sono.
Ana está protegida, com a vacina e com boas noites de sono. “Sem contar que é muito bom dormir bem a noite toda”, diz a assistente social. E ela revela que agora está disposta para enfrentar o dia de trabalho.